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Teorias do Quotidiano #3


O mundo ideal de quem não quer partir do seu país .

O mundo está de pernas para o ar, a crise instalou-se sem previsão de partida. Vão-se as pessoas que fizeram um dia este país existir, numa espécie de bilhete só de ida, versão low-cost, e o troco são meia dúzia de minutos para abraçar os que ficam, na esperança de matar as saudades, um outro dia, numa outra vida quem sabe.

No meu mundo ideal, todos tinham dinheiro, o suficiente para não terem de fazer empréstimos ou contar trocos. 
A distância reduzia-se a pó, para que os meus amigos me vissem e eu a eles, quando o abraço faz falta ou a conversa precisa de mais que minutos ao telefone. 
Detesto falar ao telefone. Detesto depender de minutos para conseguir chegar aos meus. Entre um bom dia, com saudades e um feliz aniversário onde não pude estar presente porque a moeda é uma necessidade.

No meu mundo ideal ninguém devia ser obrigado a deixar o país que o viu nascer, para ir caminhar noutro onde a distância é quase palpável, a taxa de saudades dispara atropelando o valor do IVA e o desconhecido reina de mãos dadas com a economia falhada. 
A moeda é uma necessidade financeira, mas não devia ser emocional, gerir emoções sai quase tão caro como o bilhete de barco que nos permite atravessar o pequeno Tejo ao encontro de um amigo que faz falta mas nunca falha, passe o tempo que passar.
No mundo onde vivo não há condições para viajar, mesmo que em low-cost, porque não há trabalho que me permita extravasar as emoções sem ser através do skype ou whatsapp, e ver assim a família que fui criando [leia-se aamigos com filhos/as, marido/mulher, novos amigos/as e novas conquistas que só vejo de fotos ou vídeo-chamadas, quando não são e-mails apressados de quem morre emocionalmente todos os dias mais um pouco, é um privilégio].

No país onde vivo, é ver os amigos partir numa mistura de sensações - entre o orgulho nas suas conquistas e a vontade egoísta de os querer só para mim, sozinhos, sem vontade de deixar tudo para trás, mas com a maior coragem de descobrir o que os espera adiante.
No meu mundo ideal, ninguém devia ter de partir, o whatsapp ou qualquer meio telefónico severia para combinar o café, a conversa que se teria cinco minutos depois. Os abraços não deviam ter limite, atenuando a saudade. Neste mundo ideal, ser feliz passa por ter menos preocupações e mais corações próximos, passa por impedir ao máximo que o dinheiro nos limite as finanças e as emoções. 
Não é preciso ter dinheiro para ser feliz? Não, mas é necessário ter dinheiro para sobreviver e assim conseguir-se ver de perto quem se ama, mais leve, realizado e feliz.
 No meu mundo ideal quero ser feliz, com emprego e amigos por perto, sem ter de sair do meu país.

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